2006-11-04

HUMANIDADE

COMBINAÇÕES
MISTERIOSAS

O livro “Os Carrascos Voluntários de Hitler” de Daniel Jonah Goldhagen, é uma obra fundamental para a compreensão da Shoah. É objecto de críticas que vão da parcialidade ao radicalismo dos seus pontos de vista. Mas trata-se de um estudo profusa e profundamente documentado, em que as ilustrações das observações e ilações são, amiúde, minuciosas. Sob este último aspecto, aquele volume pode também ser apresentado como um compêndio do horror. Mas não é por isso que deixa de ser uma leitura obrigatória.
Em ele retenho a hipótese de partida. Os alemães (*) eram portadores de uma cultura racista que se concretizava especialmente em relação aos judeus e, sendo anterior ao nazismo, não só lhe deu chão para florescer, como também propiciou que o anti-semitismo das políticas durante o consulado de Adolf Hitler fosse tão acrítica e até apologeticamente seguido por grande parte da população. Terá sido essa cultura que fez de tantos alemães comuns zelosos carrascos do extermínio de milhões de seres humanos. (**)
No que particularmente me diz respeito, a curiosidade deste compêndio reside nos factos de, antes de mais, ser uma excelente ilustração para as ideias que defendo sobre como derrotar o racismo e superar o etnocentrismo e, ainda, de o quadro teórico em que alicerço as minhas proposições funcionar como um bom modelo para articulação daquelas verificações de base. (***)
Mas também me incita a ter em atenção a importância decisiva que a noção de humanidade tem para inviabilizar qualquer veleidade de atentar contra a dignidade e a integridade dos outros que definimos como diferentes de nós.
Com efeito, o conceito de humanidade é recente e talvez nem nos nossos dias seja universal. Contudo, não duvido que a sua interiorização crie forte barreira ao pensamento e ainda mais às atitudes e comportamentos racistas mais letais. Se reconhecermos todos os homens como pertencentes a uma mesma espécie e, nesse plano fundamental, iguais entre si, teremos maiores dificuldades em molestar ou matar aqueles que designamos como nossos semelhantes.
Se quisermos identificar um pilar básico para combater o racismo não é à liberdade que deveremos recorrer mas sim à noção de humanidade. Podem perfeitamente existir homens livres racistas, embora esta ideologia seja insustentável para quem tenha presente, racionalizado e aceite o conceito em referência.

Luís F. de A. Gomes
Alhos Vedros, 19 de Dezembro de 1999
(*) Veja-se a forma como o autor define este vocábulo, pp 17/18
(**) Goldhagen, Daniel J., pp 19 e ss, ob. cit.
(***) Gomes, Luís F. de A., pp 5/67, "Tira O Dedo do Naríz"