2007-05-26

CONECTIONS

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Chegados aqui, não poderemos avançar sem indagarmos o porquê do etnocentrismo.
Recordemos que aquele preconceito é a ideia que os padrões culturais de uma sociedade humana são, para os indivíduos que lhe dão corpo, mais importantes e avançados que os das outras.
Cabe agora perguntar, em que se baseia esta crença?
Quais são os alicerces dessa propensão para conferirmos maior importância às nossas próprias formas de vida?
O que levará alguém a afirmar a superioridade da sua cultura em relação às outras.
No ensaio anterior escrevemos que o isolamento geográfico propiciou o desenvolvimento do preconceito em referência. Terá sido o seu enquadramento exterior.
Porém, continuamos a falar de pilares exteriores aos indivíduos.
Mas, se como sustentámos, o preconceito etnocêntrico é uma crença e, por isso, sendo inconsciente no discurso de uma certa pessoa, não é algo natural à sua biologia, ainda assim é pertinente que se coloque a seguinte dúvida:
Inerentemente aos seres humanos não existirão factores –salvo seja a expressão- que facilitem o aparecimento da resposta etnocêntrica?
Respondemos pela afirmativa e, por ora, limitar-nos-emos a destacar dois elos para esta problemática.
Falamos do medo e do egocentrismo.
No primeiro caso referimos uma coisa que é própria dos seres humanos e que se pode revelar em qualquer pessoa, o medo dos outros, do desconhecido, isto é, os receios e os temores que possamos sentir em face do que não conhecemos ou do que, sendo conhecido, sabemos ser doloroso.
Precisamente por isto, os sociólogos rurais identificam a aldeia como espaço securizante na cosmovisão dos seus habitantes.
No segundo estamos a pensar na humana tendência para nos apresentarmos como as pessoas mais importantes, atitude normal durante certo período nos princípios das nossas vidas, pelo menos no que diz respeito aos cidadãos das sociedades ocidentais.
Em ambos os casos não estamos a dizer que seja algo comum a todos os elementos da nossa espécie. Mas em contrapartida, é algo a que ninguém estará imune no princípio da vida.
Isso facilita a projecção colectiva que se materializa no etnocentrismo.
Estes fenómenos podem interactuar e levarem os indivíduos a desenvolverem o preconceito etnocêntrico, justamente como forma de afirmação e ainda como meio de conter os medos aludidos e também de dar escoamento a esses impulsos egocêntricos.
Com isto interagem para que o etnocentrismo seja, na sua génese, um fenómeno não dependente da nossa vontade e ou consciência.
De qualquer modo, aquela interactuação não tem necessariamente o desenlace apresentado.
Neste aspecto incide o modo como, em geral, os humanos vão construindo o seu conhecimento comum do mundo, dentro e a partir dos seus espaços de vivência quotidiana.
Essa formação dentro de parâmetros limitados ao nosso próprio modo de vida conflui para que a interacção dos citados mecanismos tenha maior tendência para propiciar a expressão do preconceito etnocêntrico.
Quando falamos em superar o etnocentrismo, para lá de tudo quanto tenhamos escrito até aqui, vemo-nos forçados a considerar o que pode dirimir estes últimos fios em que aquele se consolida.


Luís F. de A. Gomes

2007-05-13

CONECTIONS

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A fim de propormos a falta de razoabilidade do preconceito etnocêntrico avançaremos com duas ordens de argumentos. Inicialmente uma de carga fraca em que nos limitaremos a rejeitar um dos componentes daquele silogismo apriorístico. Em segundo lugar uma outra mais forte com a qual se sublinhará a impossibilidade da sua sustentação.
Ataquemos a crença na superioridade civilizacional.
Logicamente não haverá alguém de bom senso que possa negar os diferenciados graus de sofisticação tecno-económica e de condições de vida entre as diversas sociedades humanas.
Fazer dessa evidência um ponto de análise explicativa é, tão só, uma tautologia que pouco ou nada vale. Diríamos que nem faz sentido.
Equivale a dizer-se que certas sociedades humanas são mais evoluídas pelo facto de serem mais evoluídas.
Mais importante, na nossa perspectiva, interessa ressalvar que o problema deve ser encarado sob outra óptica, pois, no âmbito anterior, estamos a manuseá-lo de uma forma abstracta.
Na realidade, ao pretender-se justificar os desníveis culturais com eventuais capacidades dos indivíduos ou, se o quiséssemos fazer de modo inverso, argumentando que as civilizações mais avançadas geram seres mais capazes, nesta dimensão, dizíamos, seria sobre as pessoas propriamente ditas que deveríamos focar a nossa atenção e não sobre o universo macro das organizações sociais. Neste caso, apenas centrados nos seres humanos concretos poderemos abandonar os meandros de uma lógica metafísica.
E para diabolizarmos a crença na superioridade civilizacional que significa centrarmo-nos nas pessoas propriamente ditas?
Antes de mais nada entender que o homem comum de uma cultura dita mais evoluída dificilmente sobreviveria, pelos seus próprios conhecimentos e sem outros meios que não fossem o seu corpo e experiência pessoal ordinária, por exemplo, em ecossistemas como o deserto australiano ou a selva amazónica.
Apesar disso, em essas paragens habitam gentes e aí se formaram tecidos sociais que se revelaram capazes de permitir a perenidade local da espécie, tanto biológica como culturalmente.
Seguidamente, a referida focagem significa recordar que, por via da aprendizagem, qualquer indivíduo pode habilitar-se a viver em uma cultura diferente da sua.
Com isto perde interesse colocar o problema na dicotomia superioridade versus inferioridade civilizacional.
Verificamos, isso sim, diferentes respostas culturais em diversos enquadramentos ambientais do nosso planeta.
Sem embargo, permanece a possibilidade de alguém colocar a hipótese de que o preconceito etnocêntrico, exactamente como o definimos, seja um fenómeno natural aos seres humanos, isto é, algo inerente à sua condição física e psicológica.
É impossível seguir esse caminho.
Tal implicaria sermos capazes de provar empiricamente que as crianças de grupos étnicos diferentes se repelem de modo natural e espontâneo, ou que os petizes de grupos tidos por mais desenvolvidos são sempre as melhores.
Pelo menos até ao momento, essas comprovações fulcrais nunca foram conseguidas e, assim, ninguém pode sustentar a naturalidade do etnocentrismo.
Nem nos esqueçamos que ele é uma crença e, como tal, susceptível de transmissão cultural mas não biológica ou genética.
Luís F. de A. Gomes