2007-07-08

CONVERSAS DE RUI E LUÍS

A CARTA

Para a
Srª. D. Madalena Mira,
pela partilha que me proporcionou estas palavras


Pois é Companheiro, muitos são aqueles que falam em Ti, em Teu nome, muitos aqueles que dizem falar Contigo, uns sinceros, outros nem tanto, tantos, de tantas maneiras, com tantas motivações diferentes que eu nem sei o que Te diga do que de Ti se diz aqui, neste mundo de baixo onde a nós humanos foi oferecido viver.
Como pode alguém falar de Ti e matar eu Teu nome, Companheiro? Como pode alguém incendiar-se e levar a morte e o flagelo do desespero ao semelhante dizendo que o faz em Teu nome, dizendo-se na certeza de Te encontrar pelo sacrifício mais indizível?
Como pode invocar-Te a procura da destruição e do caos, a exaltação do martírio, a impiedade mais descarada? E no entanto continuamos a escutar e a ver as consequências desses que trazem o Mal e a maldade nas suas acções e permanecemos infantis, Companheiro, continuamos sem sermos capazes de nos separar da guerra e da provocação da morte e do sofrimento para conseguirmos espaços de paz que nunca foram universais.
Diz-se que a ganância faz parte da natureza humana mas eu não tenho isso como assim tão certo. Às vezes penso que é a ganância a fonte de todo o padecimento. Afinal é ela a mola que provoca a sede de poder que leva a que uns procurem para si a fortuna e as capacidades para disporem de si e dos outros e é daí que advêm desde os mais pequenos e individualizados conflitos do dia a dia, aos mais complexos e institucionais das sociedades que formamos. Mas a verdade é que eu não estou assim tão certo que não seja possível induzir uma certa arqueologia da ganância e verificar que nem sempre ela fez sentido se bem que sempre tenha sido possível na história maravilhosa deste animal curioso e belo, simultaneamente genial e cruel, capaz do sublime e do horrendo. Com efeito, será que não foi a partilha e não a ganância o impulso que manteve vivos e sobreviventes aqueles de quem viemos a descender? Será que o ganancioso teria muitas possibilidades de sucesso nesses universos de bandos espalhados e em movimento?
Tu compreendes-me, eu sei que me compreendes e por isso estou certo que Tu bem sabes que eu não estou aqui a recuperar ideias como a do bom selvagem do Rosseau, mas sou eu que quero ter a certeza de saber que estou a explicar-Te com clareza, a máxima clareza de que sou capaz, que pessoalmente não penso que se trate de sermos naturalmente bons, tão só de perceber que na maioria da sua permanência neste Paraíso dado, a nossa espécie viveu de um modo em que a ganância pouco ou nada tinha por onde se materializar e que por isso as circunstâncias eram menos propícias a que ela se revelasse e isso quer dizer que vivemos arredados dela mais tempo do que aquele em que vimos e vemos os homens claudicarem perante o canto de uma sereia tão perniciosa. Pois bem, tal implica que sejamos capazes de admitir que aquela não é uma fatalidade e que provavelmente teremos que reaprender a viver de modo a que ela deixe de encontrar consistência para a sua prática.
Quer dizer Companheiro que se por ora somos ainda muito infantis, há sempre uma centelha de esperança, pois não há nada que nos diga que não seremos um dia capazes de nos reencontrar com a partilha e não com a ganância e com isso conseguirmos remeter a guerra e o martírio para as prateleiras das bibliotecas independentemente da forma que venham a ter num futuro distante.
É isso Companheiro, são tantos os que falam em Ti, por Ti ou para Ti que fico sempre perplexo quando vejo os modos interesseiros como muitos o fazem, pedindo-Te isto e aquilo, prometendo-Te fidelidade em troca de favores, como se Tu fosses uma espécie de mágico capaz de tudo ajustar e resolver através de uma varinha de condão omnipotente.
E como é possível pensar assim, Companheiro? Como é possível falar-se em Teu nome e pretender que Tu possas ser visto como uma espécie de ilusionista que está ao alcance dos nossos dotes? Como é possível pensar em Ti nos termos das nossas capacidades de simples mortais e julgar que isso faz de Ti nosso Aliado nas coisas que afinal são da nossa inteira responsabilidade e, portanto, só a nós dizem respeito? Não é este outro sinal da nossa ainda infantilidade? E não é esse, ao mesmo tempo, um sinal inequívoco da Tua infinita bondade e paciência para connosco?
É tão bela esta dádiva que nos é dada…
Estás sempre dentro do meu coração e para onde quer que vá Estás sempre comigo e isso é para mim uma fonte de alegria que mesmo nos momentos mais difíceis me faz trazer um sorriso no rosto que evoca o brilho da alma que nunca deixa de brilhar, aquela pontinha sempre acesa que mesmo no desfalecimento está lá como que para me dizer que eu Te recebi e recebo, em júbilo e por isso faço o caminho mesmo quando os espinhos são tantos que me impõem os maiores dos cuidados para poder avançar sem me ferir.
Levo-Te sempre dentro do coração mas é especialmente nestes momentos que mais gosto de falar contigo, quando como agora me sentei para Te escrever depois de ter andado devagar, com disponibilidade para a circunspecção, parando aqui e ali para contemplar, o contraste que a luz faz nos ramos carregados de humidade enquanto esperam o gargalhar das folhas e das ramagens tenras do espanto que a lezíria faz quando o chão se inunda de arco-íris, ou as conversas que os pássaros têm a propósito das suas vidinhas saltitantes de procurarem o alimento e o encanto de se entregarem às viagens entre pontos distantes.
E não é a vida um delírio que de nada mais precisa para remeter um constante planar pelos olhos?
Eu sei que se diz que as responsabilidades são tantas que impelem uma vida apressada, arredada das oportunidades para o deleite e os enleios da alma, eu sei muito bem que muitas vezes se ouve dizer que aqueles que se perdem nessas deambulações poéticas acabam por ter maus resultados e ficarem atrás dos outros no que se aponta como fundamental para a sobrevivência. E há algo prioritário relativamente à sobrevivência? Pode haver filosofia sem corpo? Mas a verdade é que sequer sem pensar em pôr isso em causa, haverá sempre espaço para expressar o caramba, nem mesmo somos capazes de encontrar dois minutos de cigarro para nos deixarmos enlevar pelo silêncio do chocalhar de uma árvore, ainda que seja no antes da entrega ao ganha pão? É claro que seria estúpido pensar que poderíamos deixar de trabalhar para nos darmos ao luxo de escolhermos vadiar por aí, perdidos na busca do encanto, mas que nos custa um sorriso para aquele que temos em redor nas peripécias do quotidiano? Será assim tão pesado e desajustado um sorriso, um simples reparo de como o reflexo dos vidros de um carro faz uma fotografia de espantar, será tão ingénuo e palerma dizermos que estamos felizes, que nos sentimos deslizar em raios invisíveis de júbilo só pelo facto de olharmos os contrastes de branco e cinzento das nuvens sobre poças de azul?
E eu sou tão feliz, Companheiro, há dias que me sinto em tão grande plenitude que chego a duvidar de tanta felicidade pois pergunto-me o que possa ter feito para a merecer. Contudo sinto-a na alma que se enternece nas pequenas conversas das minhas queridas filhas e que sorri só por se saber a caminho dos almoços que fazemos em conjunto. Não é tão belo vê-las crescer, receber um telefonema a meio da manhã com o queixume da Margarida porque o seu amiguinho não lhe telefonou durante todo o fim-de-semana? E chegar a casa cansado, com vontade de nos estendermos e sermos recebidos pela doçura de um “olá pai” e a história de uma aventura ou a dúvida de um problema ou a alegria de uma leitura, não são esses momentos de louvar a vida que levamos? Como é bom estendermo-nos no chão em jogos de infância e partilhar a criancice de uma qualquer brincadeira de fazer crescer. Porque teimamos em calar esses olhos vagabundos que procuram encontrar nos momentos as cores de uma delícia?
Como pode então alguém atentar contra isto e como se isso pouco fosse, fazê-lo ainda em Teu nome?
Há coisas tão difíceis de compreender, Companheiro. É tão doloroso quando nos perguntam onde Estás nas barrigas deformadas dos meninos que morrem à fome. É tão inquietante, tão doridamente perturbante quando nos confrontam com a terrível pergunta de saber onde estavas quando o gás assassino calou a inocência para sempre?
Pois é Companheiro, meu Pai, meu Amigo, meu Guia, sobretudo meu Companheiro, será assim tão difícil de compreender a Tua Infinita Bondade?
Tu entende-nos, pois então e eu sei isso, tal como sei que nos perdoas o sermos ainda tão infantis que Tu, na Tua Sábia Paciência, aceitas que percorramos o nosso caminho à nossa maneira, à medida da liberdade que nos Concedeste, pois é disso que se trata, é isso que Te distingue das nossas criações e projecções mágicas, mitológicas e nos diz que Tu és a Luz da Criação, A Causa, o Veículo da Bondade que propiciou à inteligência a oportunidade de tentar conseguir ser capaz de Te alcançar, de ir ao Teu encontro de te abraçar na contemplação de uma Eternidade de Paz e Amor.
Por seres Infinitamente Bom deixaste a Física desenrolar-se pelas suas próprias leis, Contentaste-te em veres nascer aqueles a quem concedeste a liberdade de Te escolherem ou não, aqueles com quem Te ofereces para partilhar a Plenitude e que pelo Amor aceitaste que tenham surgido sem a Tua interferência directa e existam pela sua própria vontade de acordo com os trilhos que decidirem seguir. Não será a Evolução um testemunho da Tua Infinita Bondade e Paciência?
Não compreender isso é não perceber que o Universo não tem qualquer sentido e até mesmo a Vida nenhum outro pode ter por si, é não ser capaz de entender que somos nós, os intérpretes, os que transportamos connosco a inteligência, aqueles que para aquele e esta devemos encontrar uma lógica, se quisermos um norte. E tudo pela Tua Infinita Bondade que nos deixa a liberdade de fazermos ou não essa escolha, mesmo sabendo que só por ela poderemos encontrar a Eternidade e, dessa forma, Te permitir a Felicidade de connosco Te partilhares, por efeito da Tua Grandeza e para fonte da nossa felicidade.
A Tua bondade é tanta que Criaste uma Obra que não precisa de Ti para ser explicada e apesar da nossa pequenez, apesar da nossa vaidade, apesar da nossa maldade, deixa que te diga que ao mesmo tempo temos sido corajosos a ponto de arriscarmos e termos conseguido espalharmo-nos pelo planeta inteiro, mesmo por climas e regiões inóspitas, como os desertos ou as planícies geladas do Norte e apesar da nossa juventude, apesar de toda a nossa infantilidade de pensamento e até de carácter, apesar de ainda sermos em tantos e tantos aspectos tão primitivos, lá temos sido bem sucedidos na demanda da compreensão para os enigmas que o Cosmos nos coloca e lá temos inventado linguagens que o medem e o interpretam, como é o caso desse prodígio que é a Matemática que, em última instância, possibilitará uma comunicação universal. E assim temos descoberto as leis da matéria, temos sabido elaborar máquinas e mecanismos e os mais diversos instrumentos para tentarmos ver o princípio dos princípios. E que dizer das genialidades de que temos sido capazes? Mesmo em tempos obscuros surgem aqueles que vêem ao longe e não foi brilhante que um Darwin jovem e livre pensador tivesse sido tocado pela intuição de perceber que mesmo nós resultamos de um complexo jogo de combinações e contingências em que o acaso fala e de que acabaram por resultar indivíduos com as características bio-genéticas que temos hoje e que nos destacam, enquanto animal, dos outros que, na nossa árvore genealógica, nos antecederam?
Onde está a Tua Omnipotência? Onde está a Tua Omnisciência?
Evidentemente que Tu és Omnipresente e Omnisciente, mas Tu meu Companheiro, Infinitamente Bom como És, preferiste não interferir e apenas nos emites sinais, alguns sinais que nós podemos interpretar e servirmo-nos deles para nos guiarmos em Teu alcance. Quem diz disto que Tu nos abandonaste não percebe que Tu jamais poderias pretender que Te adorassem por idolatria, o mesmo é dizer que Tu, meu Companheiro, meu Infinitamente Bom Companheiro, jamais poderias querer que Te adorassem por ser essa a Tua vontade, que nós Te procurássemos e Te seguíssemos porque Tu assim determinaras. Seria por acaso muito curioso de ouvir se quem assim Te vê também pensa que Tu és permeável ao tédio o que estaria desconcertantemente em desalinho com tudo aquilo que depois falam sobre o Teu Poder Infinito, pois porque outro motivo seria que Tu pretenderias impor a partilha da Eternidade a quem quer que fosse? Eu sei que Tu sorris perante tanta puerilidade e que sabiamente esperas que sejamos capazes de Te encontrar, ainda que num futuro distante mas isso para Ti não importa, Tu não te encontras no Tempo, carinhosamente esperas que sejamos capazes de sobreviver ao manuseamento de tecnologias de destruição massiva, ao uso da manipulação do núcleo do átomo e do que dentro dele interage e do Holocausto de uma guerra com armas dessa natureza.
Somos nós, Companheiro, somos nós quem tem que abrir o coração para que Te aceitemos e nele Te abriguemos; não és Tu quem tem que nos dar o que quer que seja, não és Tu quem tem que nos dizer o que deveremos fazer, somos nós, Teus filhos, os simples mortais a quem a inteligência dotou da capacidade de Te procurar, somos nós quem tem que Te dar o sentido dos nossos caminhos, é a nós que compete perceber que amar-Te é procurar-Te, é receber-Te, é viver com a Tua Luz no interior da alma, é viver na demanda da justiça para com o semelhante e a isso acrescentar-lhe o prazer da partilha, da dádiva para com o próximo que nada impede que se restrinja ao sorriso de bons dias com que podemos receber todos aqueles com que nos cruzamos e à certeza de nada fazer que mal gere para outrem. É essa a via da Eternidade, pois só por dessa maneira é possível conceber a perpetuação do nosso legado de humanos.
E há pessoas tão bonitas, meu Companheiro, como as manhãs solarengas, mesmo no Inverno, quando a luz já conquistou umas boas mãos cheias de minutos à noite mais longa, fazem sorrir o olhar que se deixa seduzir pelos relances de uma imagem, como os pássaros que se afoitam para a azáfama de receberem a Primavera nos fazem parar de ouvidos à espreita, há seres tão cativantes que nos entusiasma tanto conhecermos, gente linda que nos transmitem serenidade e beleza e que só por as vermos, só por com elas falarmos, sentimos que é belo viver que vale a pena ter acordado e vindo para a vida cheio de energia para receber uma prenda tão sedutora em forma de encontro.
Há o reverso, é certo e nem temos que nos lembrar das verdadeiras encarnações de Samael que tanto horror e sofrimento trouxeram ao mundo. Basta que atentemos na falta de escrúpulos que corrompe e traz malefícios em troca de satisfações gananciosas de poder e mais poder que a tantos retira o trabalho que dá o pão e atira a maioria dos nossos irmãos para o limiar da subsistência mais atroz e da ausência de dignidade, essa Tua Centelha que todos, sem excepção, por sermos Teus filhos, transportamos quando nascemos e que nada mais é que o respeito que merecemos de nos ser dada a possibilidade de escolhermos um caminho para o nosso palmilhar as sete partidas da existência. Como é que é possível que num planeta, um ínfimo pontinho tão frágil mas simultaneamente tão maravilhosamente paradisíaco, nós não sejamos capazes de viver sem fomes e sem guerras, sem rapinas e sem miséria, quando temos todos os recursos e os meios tecnológicos, científicos e até mesmo económicos para conseguirmos viver na partilha desse legado admirável da Tua Obra?
Mas é isso, Companheiro, Tu sabes e eu sei e naturalmente haverá muito mais quem também saiba que a Maldade é obra humana, não existe na Natureza Cósmica que tu criaste, pois aí, os factores de destruição inserem-se na dualidade de ciclos de renovação com que se faz a continuidade do Tempo que Esta Tua Obra dure se é que não durará para todo o sempre. Do mesmo modo que só cada um de nós pelos actos que pratica pode perder a dignidade com que nasce, por isso é indigno aquele que atenta contra ela com o que, em concomitância, o faz contra Ti, a Maldade foi uma escolha dos homens, de homens vulgares e comuns como eu que aqui te estou a escrever neste momento, sentado à sombra de uma parede decrépita enquanto as águas da maré vão embebendo as esmurraceiras e fazendo um barquinho envilecido deixar de estar parado sobre a lama, para baloiçar ao de leve na trepidação que o movimento causa no espelho liquefeito. São as pessoas que escolhem fazer o mal e o praticam e não nenhuma força exterior a elas que lhes imponha tais condutas. São elas, pelos seus valores ou pela ausência deles, são elas que pela sua vontade mais ou menos consciente, mais ou menos dolosa, são que elas que decidem levar o flagelo e o sofrimento ao esmagamento do seu semelhante e foram e são elas que pela intensidade e a natureza da dor que provocam fazem com que a Maldade possa surgir entre nós.
E até isso decorre da Tua Infinita Bondade, da Infinita Paciência com que nos brindaste com a liberdade de podermos viver na Terra de acordo com as nossas leis e vontades e de o fazermos com a liberdade de podermos escolher o caminho das nossas vidas e em ele podermos escolher precisamente entre a prática da maldade ou não.
Pois nem mesmo deixaste o Teu Caminho como a única via para falarmos da dignidade com que nascemos, do modo como a podemos perder, de como por ela podemos justificar a liberdade e aí encontrarmos uma vez mais a possibilidade de compreendermos a preferência de escolhermos entre a prática da maldade ou não. Não nos dizem as ciências que somos membros de uma mesma espécie e que a vida de cada um de nós é um acontecimento singular e irrepetível, com o que poderemos defender para nós o estigma da infinita dignidade só consentânea com a liberdade individualizadamente considerada? Não podemos derivar daí valores semelhantes àqueles que para a vida diária da nossa condição de humanos Tu nos gravaste na pedra da Aliança? Como Tu és Misericordioso que várias são as veredas que nos deixas para a Salvação.
Sabes que eu às vezes gosto de imaginar histórias de Anjos? E nelas gosto de me deixar levar pelo pensamento e várias têm sido as ocasiões em que eu dei comigo a pensar que esses bandos de Querubins são como que as borboletas do Universo por onde deambulam para acompanharem aqueles que como nós aí têm a sua casinha comum? E então penso que se muitos terão sido por Ti criados, os restantes resultam do prémio que as pessoas boas têm quando o seu relógio biológico as remete para o Teu doce regaço. E o curioso meu Companheiro, algo que sempre me fascinou e deixou cheio de esperança e simultaneamente cheio de Fé, é a verificação que as únicas pessoas verdadeiramente boas que conheci, pessoas sem o mínimo vestígio de maldade, seres puros e cheios do belo de almas imaculadas, são pessoas que não Te consideram nas suas vidas que fazem na completa ausência de qualquer consideração a Teu respeito. E eu tenho a certeza que a mulher mais maravilhosa que conheci em todas as minhas andarilhices pelas esquinas do destino, o ser que mais gozo me deu saber que existe e conhecer de perto e que guardo no mais profundo do meu coração e da minha alma, um dia será um dos Anjos que nos acompanham, sem no entanto interferirem nos nossos assuntos. E no entanto não crê em Ti, tem mesmo uma mundivisão assente em ópticas materialistas, se assim posso falar, mas que dizes de alguém que um dia, perante o desespero de um adolescente que, na aula, não fora capaz de mais nada pintar que um borrão, por descrédito da capacidade de conseguir fazer o que quer que fosse, perante isso teve a minha querida amiga a espontânea expressão, “-Olha que bonito está!”, para depois organizar uma exposição temporária da arte dos seus aprendizes, na qual, em lugar ligeiramente destacado estava, justamente, o borrão? Pois foi esta a única pessoa de quem sou capaz de afirmar estar inteiramente isenta de maldade. Sempre a vi aceitar, mesmo aquilo que para ela lhe levou a dor que naturalmente procura contrariar mas nunca pisando alguém e nunca deixando de julgar o semelhante com justiça. E foi ela a única pessoa ao lado de quem eu me senti inteiramente eu, como sou, no completo da minha pessoa.
Ora isso traz-me esperança, Companheiro, multiplica a minha Fé, pois afinal materializa a razão de ser da Tua Infinita Bondade e por aí ganho energias para levar de feliz a minha vidinha de homem simples e banal, cujos maiores encantos são as delícias da partilha do quotidiano com as duas pessoas que tudo são para ele, as filhas adoradas e que lhe enchem a alma de mimos e cujas maiores ambições se resumem a viver em silêncio, despercebidamente, sem deixar lixo como rasto da sua passagem. Quando ouço alguém dizer que não podemos viver Contigo, com a tua demanda, mesmo no mundo dos negócios, deixo sempre que um sorriso invisível me traga à memória o lado de cá da esperança.
Olha a bola que o ocaso incendeia agora mas que daqui a nada se prateará, à medida que pela aparência se eleva aos nossos olhos. Está na hora de regressar, para fazer o mesmo que me trouxe até aqui. Anda daí, meu Companheiro, vamos descer aquela álea de choupos que tanto me embriaga de visões de luz e penumbras, onde no começo estará a Misteriosa caixinha de correio onde poderei depositar esta carta.

Luís F. de A. Gomes
Porto, Alhos Vedros, 3, 8 e 9 de Março de 2007