2006-12-17

DOIS MARCOS PARA A NOÇÃO DE HUMANIDADE

COMBINAÇÕES
MISTERIOSAS

Há dois caminhos diferentes em que podemos beber as bases de uma história do conceito de humanidade. São eles, em primeiro lugar, a via de uma explicação religiosa do mundo e, seguidamente, a rota das explicações científicas. Tanto num universo como no outro podemos chegar a deduzir a noção em causa. Por ora, vamos ocupar-nos apenas de um deles.
A revelação de Abraão produziu, num duplo sentido, uma grande alteração intelectual. Tanto quanto se sabe, foi a primeira vez que se identificou um Deus único com a Criação e, portanto, também com o aparecimento dos homens, assim como, por consequência, ao reconhecer a igual filiação divina, se igualizou os homens perante o Criador, possibilitando que, a partir daí, se consiga conferir o mesmo estatuto de gente para todos os membros da linhagem humana, o mesmo é dizer, em palavras da actualidade, seja possível isolar uma eventual ideia de espécie humana.
Aconteceu então que a Aliança se formou com aquele Patriarca e o seu povo e, por isso, os judeus tomavam exclusivamente para si o estigma da origem divina. De outro modo, só eles eram filhos de Deus.
Terá sido o judeu Jesus da Nazaré quem alargou a bênção a todos os homens e, com a sua mensagem –ou, se quisermos ser rigorosos no discurso, com o que nos chegou como a sua mensagem- abriu o espaço de pensamento para considerarmos os humanos como irmãos entre si, ou seja, como pertencentes à mesma estirpe.
É claro que as tragédias das guerras, da escravatura ou do racismo, não acabaram por aí. Até a Palavra foi usada para sustentar tantas e tantas daquelas páginas de sangue e sofrimento. Mesmo ao nível dos olhares científicos –salvo seja a expressão- demorou muito tempo para que se percebesse a unidade da nossa espécie e tão só há pouco mais de cinquenta anos, os nazis ainda definiam os seguidores de Moisés como sub-humanos.
Em todo o caso, aquela via, digamos assim, teológica, foi um dos rumos sinuosos por onde se foi construindo e consolidando a noção que actualmente possuímos de humanidade.

Luís F. de A. Gomes
Alhos Vedros, 19 de Dezembro de 1999

2006-12-02

A DIGNIDADE CONTRA O RACISMO

COMBINAÇÕES
MISTERIOSAS

A liberdade é um fenómeno cultural como qualquer outro e, nessa dimensão, não é inata na nossa espécie. Sequer se pode dizer que ela é inerente aos homens. Ainda que fundamentada em valores, a liberdade é, antes de mais, uma condição. Obviamente a nível teórico, se procurarmos alternativas aos modos de pensar racistas e aos sentimentos etnocêntricos, então não é aquele conceito que deveremos usar. Para tanto, impõe-se que isolemos valores que, assim no tempo como no espaço, sejam universais, isto é, se encontrem em qualquer indivíduo quando nasce.
Tendo em conta os desideratos descritos, a noção de humanidade parece ser mais profícua. O Homem é uma ambivalência entre um ser biológico e um cultural, o que, na realidade, aquele conceito reflecte, sendo possível consubstanciar o segundo daqueles pólos com a qualidade de infinitamente dignos em que todos os humanos são nados. Desta forma, quer para combater o racismo quer para superar o etnocentrismo é aquela a noção a explorar uma vez que engloba a dignidade que, mais que um direito, é o valor primacial e o único que reúne o aludido condão da universalidade e, por isso, o primeiro a ser esgrimido por quem quer demandar os propósitos em questão.
Aliás, é precisamente a dignidade que justifica a defesa da liberdade que passa por ser a única condição social consentânea com uma vida digna.

Luís F. de A. Gomes
Alhos Vedros, 20 de Dezembro de 1999