2006-11-19

UMA CARACTERÍSTICA CULTURAL DA HUMANIDADE

COMBINAÇÕES
MISTERIOSAS

Se o conceito de espécie humana nos irmana no patamar da biologia, com a ideia de dignidade é possível igualizar a humanidade no plano específico dos valores, o mesmo é dizer, em geral, no âmbito da cultura. É defensável que todos os humanos nascem infinitamente dignos, pois essa condição é a primeira propriedade cultural que universalmente podemos considerar inerente a todos os indivíduos. Assim, pesem embora todas as diferenças fisionómicas, se no domínio biológico é possível falar de uma espécie, também no quadro cultural de uma moral universal, apesar do multi-facetado painel das culturas humanas, quer no tempo quer no espaço, não é abusivo falar em termos do global da espécie. Trata-se do respeito que, à partida, todas as pessoas consigo transportam e merecem em face dos outros e que, na realidade, surge inclusivamente como a primeira baliza natural da liberdade individual e das chamadas liberdades em geral.
Não sendo inata uma vez que, enquanto criação cultural que é, não é transmissível, nem biológica nem geneticamente, podemos dizer que a dignidade é a primeira característica cultural da humanidade, pois é a única inicialmente reconhecível em todas as pessoas.

Luís F. de A. Gomes
Alhos Vedros, 19 de Dezembro de 1999

2006-11-04

HUMANIDADE

COMBINAÇÕES
MISTERIOSAS

O livro “Os Carrascos Voluntários de Hitler” de Daniel Jonah Goldhagen, é uma obra fundamental para a compreensão da Shoah. É objecto de críticas que vão da parcialidade ao radicalismo dos seus pontos de vista. Mas trata-se de um estudo profusa e profundamente documentado, em que as ilustrações das observações e ilações são, amiúde, minuciosas. Sob este último aspecto, aquele volume pode também ser apresentado como um compêndio do horror. Mas não é por isso que deixa de ser uma leitura obrigatória.
Em ele retenho a hipótese de partida. Os alemães (*) eram portadores de uma cultura racista que se concretizava especialmente em relação aos judeus e, sendo anterior ao nazismo, não só lhe deu chão para florescer, como também propiciou que o anti-semitismo das políticas durante o consulado de Adolf Hitler fosse tão acrítica e até apologeticamente seguido por grande parte da população. Terá sido essa cultura que fez de tantos alemães comuns zelosos carrascos do extermínio de milhões de seres humanos. (**)
No que particularmente me diz respeito, a curiosidade deste compêndio reside nos factos de, antes de mais, ser uma excelente ilustração para as ideias que defendo sobre como derrotar o racismo e superar o etnocentrismo e, ainda, de o quadro teórico em que alicerço as minhas proposições funcionar como um bom modelo para articulação daquelas verificações de base. (***)
Mas também me incita a ter em atenção a importância decisiva que a noção de humanidade tem para inviabilizar qualquer veleidade de atentar contra a dignidade e a integridade dos outros que definimos como diferentes de nós.
Com efeito, o conceito de humanidade é recente e talvez nem nos nossos dias seja universal. Contudo, não duvido que a sua interiorização crie forte barreira ao pensamento e ainda mais às atitudes e comportamentos racistas mais letais. Se reconhecermos todos os homens como pertencentes a uma mesma espécie e, nesse plano fundamental, iguais entre si, teremos maiores dificuldades em molestar ou matar aqueles que designamos como nossos semelhantes.
Se quisermos identificar um pilar básico para combater o racismo não é à liberdade que deveremos recorrer mas sim à noção de humanidade. Podem perfeitamente existir homens livres racistas, embora esta ideologia seja insustentável para quem tenha presente, racionalizado e aceite o conceito em referência.

Luís F. de A. Gomes
Alhos Vedros, 19 de Dezembro de 1999
(*) Veja-se a forma como o autor define este vocábulo, pp 17/18
(**) Goldhagen, Daniel J., pp 19 e ss, ob. cit.
(***) Gomes, Luís F. de A., pp 5/67, "Tira O Dedo do Naríz"